Na próxima quinta-feira (21), a CPI do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) realizará sua última reunião, em que deverá ser apreciado e votado o relatório de conclusão dos trabalhos. Os dois documentos previstos para votação, um elaborado pelo relator Ricardo Salles (PL-SP) e outro pela deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), não apenas apresentam visões opostas sobre os movimentos sociais rurais, como contam com trocas de acusações entre os respectivos autores. Ricardo Salles foi ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, período em que ganhou a reputação de defensor de pautas de grandes corporações do agronegócio. Como deputado, tem a simpatia da Frente Parlamentar da Agropecuária, popularmente conhecida como bancada ruralista, que o emplacou como relator do colegiado presidido por Zucco (Republicanos-RS), outro aliado do setor.
O relator abre seu texto exaltando medidas do ex-presidente, alegando que essas promoveram “quatro anos de relativa calmaria no campo, proporcionando significativos ganhos ao país a partir da prosperidade do setor agropecuário”, interrompidos em 2023 com o aumento das ocupações de terras decorrentes, segundo ele, da revogação das políticas adotadas por Jair Bolsonaro, como o fomento ao armamento civil e a interrupção da distribuição de recursos públicos a movimentos sociais. Salles também não poupa esforços para tentar apresentar o MST e demais movimentos de luta pela reforma agrária como organizações criminosas. Em um trecho, ataca o que chama de “grupos que dizem lutar por reforma agrária ou moradia, mas, que (…) vem atuando de maneira criminosa, em quase todo o território nacional, para obter ganhos políticos e financeiros para as suas lideranças, em detrimento do setor produtivo e dos liderados que (…) em nada se beneficiam dos vultosos ganhos financeiros indevidamente auferidos pelas lideranças das facções sem-terra”. O texto do relator concorre com o da deputada Sâmia Bomfim, elaborado em conjunto com parlamentares de sua própria bancada com a do PT, bem como com quadros do PSB e do PCdoB. A parlamentar foi uma das principais opositoras ao bloco ruralista ao longo dos trabalhos da CPI, constantemente buscando contrapor as acusações ao MST, bem como a outros movimentos de luta pela terra. Com teor oposto ao de Ricardo Salles, o relatório paralelo de Sâmia Bomfim defende tais movimentos, afirmando que são fruto de uma realidade de intensa desigualdade social no campo, “em que os excluídos passam a exigir seus direitos, dentre estes a realização da reforma agrária em áreas que não cumprem sua função social, conforme previsão constitucional”. A própria comissão, de acordo com Sâmia, “foi instaurada sem um objeto determinado, com o único objetivo de criminalizar os movimentos sociais que atuam no campo brasileiro, objetivo que (…) foi sendo demonstrado através dos requerimentos apresentados e debates ocorridos durante as sessões”. Ao longo do relatório, a deputada alega uma série de abusos na condução de Zucco e Salles nos trabalhos da CPI. A Procuradoria-Geral da República abriu procedimento para apurar se houve crime de violência política de gênero contra a deputada, que teve a palavra cortada e negada pelo comando da comissão por várias vezes. Em seu relatório, Salles também aponta o governo como “conivente e partícipe das ações de incentivo às invasões (…) na medida em que restabelece práticas administrativas e orçamentárias condenáveis, que acolhe no seio do governo aqueles que até pouco tempo atrás estavam à frente dos crimes apurados nessa CPI e se omite diante do evidente recrudescimento das ações criminosas no campo e nas cidades”.
O relator diz que o MST e demais movimentos sociais sem-terra promovem práticas extorsivas contra proprietários rurais e seus próprios filiados. Seu texto atribui uma série de condutas violentas a eles, em especial no sul da Bahia, onde acusa o deputado Valmir Assunção (PT-BA) de utilizar “artifícios dolosos de coação, mentira, violência e até chantagem” para obter “vantagens indevidas, como casa, combustível, dinheiro, bens, etc.” de membros do movimento.Sâmia Bomfim também foi citada no relatório de Ricardo Salles. Ele descreve uma suposta aliança da deputada com o líder da Frente Nacional de Luta pelo campo, José Maria, a quem acusa de utilizar a reivindicação social para o cometimento de crimes. “Não parece haver dúvida de que a parceria Rainha/FNL/Diolinda/Sâmia constitui claro exemplo de lideranças que, com o fito de obter de vantagens políticas e financeiras, manipulam os mais humildes e necessitados para benefício próprio”, registrou.
Na via oposta, Sâmia nega as acusações e avalia que “em que pesem os esforços ciclópicos do relator e de alguns membros da CPI em condenar a priori os movimentos sociais rurais, houve depoimentos sérios, poucos é verdade, bem como foram obtidos documentos, que, ao final, dão conta do equívoco da criação da CPI, e comprovam, isto sim, a legitimidade dos movimentos que lutam pela implementação da reforma agrária”.
A deputada relembrou as diversas ações apresentadas por sua bancada contra Ricardo Salles na condução da CPI, incluindo duas representações no Conselho de Ética por apologia à ditadura e por violência de gênero, bem como diversas denúncias enviadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à Procuradoria-Geral da República por abuso de autoridade, invasão de domicílio, ameaças, coações e outras práticas atribuídas a ele durante as visitas em campo do colegiado.Apesar das acusações contra Sâmia Bomfim, Salles não chega a pedir seu indiciamento. Por outro lado, ele pede que seja indiciado o deputado Valmir Assunção e seus assessores de gabinete. A lista de solicitações de indiciamento também inclui o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Gonçalves Dias, pelo suposto crime de falso testemunho.
Sâmia optou por um relatório sem pedidos de indiciamento. Em seu lugar, elaborou uma lista de propostas voltadas para o funcionamento dos órgãos de distribuição de terras, a realização de uma reforma agrária e a pacificação de conflitos agrários. Suas sugestões incluem o fortalecimento por parte dos estados e da União no combate à grilagem, a revisão do atual modelo de titulação de terras rurais e a recomposição de recursos humanos e orçamentários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).Confira a seguir os relatórios de Ricardo Salles e Sâmia Bomfim para a CPI do MST, divulgados pela CNN: Relatório de Ricardo Salles Relatório de Sâmia Bomfim
Fonte: Lucas Neiva, Congresso em Foco
Capa: Relatórios de Salles e Sâmia expõem visões antagônicas sobre o MST e a ocupação de terras | Fotos: ABr, Divulgação