Por Evandro Herculano (OAB/SC 41105), sócio do SLPG Advogados e Advogadas
No último domingo (21), o mundo assistiu a mais um episódio lamentável de racismo contra o jogador brasileiro de futebol, Vinicius Júnior, do Real Madrid, na partida envolvendo a equipe do atleta e o Valencia, pela 35ª rodada da liga espanhola (La Liga), no Estádio Mestalla/Espanha.O reprovável e repugnante ato discriminatório, contra o jogador, tomou proporção mundial, desencadeando uma centena de milhares de manifestações de reprovação ao ocorrido, e de solidariedade a Vinicius Junior, não somente por se tratar de uma celebridade do futebol, que na atualidade está entre os 3 melhores jogadores do planeta, segundo especialistas, e que atua em uma das ligas mais ricas do mundo. Fato é que, é a décima vez que o jogador sofre esse tipo de violência em gramados espanhóis, reproduzida na forma de xingamentos vindos da torcida adversária, tais como "mono" (macaco), "negro de merd*", ou gestos ofensivos.O mais chocante é que na partida do último domingo (21), parcela significativa da torcida do Valencia proferiu os insultos e gestos racistas, em coro, sem que a partida fosse interrompida por este motivo, ou os jogadores simplesmente se retirassem de campo.Não bastasse isso, Vinicius Júnior foi expulso por agressão, após ter recebido uma gravata por parte do atleta Hugo Duro, do Valencia, minutos depois de o brasileiro, com razão, e visivelmente irritado, ter cobrado postura e providência do árbitro da partida acerca das ofensas que vinha recebendo.Muito embora o episódio tenha transcendido as fronteiras do futebol, e do esporte de modo geral, contando com milhares de manifestações de figuras públicas importantes, seja do mundo da arte, da política, da comunicação, do judiciário, envolvendo, até mesmo, as relações diplomáticas entre Brasil e Espanha, houve quem, ao invés de se posicionar de maneira veemente e categórica contra esse câncer que é o racismo, buscasse reduzir a violência que Vinicius Junior sofreu a um caso isolado (mais um), e até mesmo atribuir-lhe o "ônus" de ser perseguido dessa maneira, em razão de seu futebol irreverente, alegre e talentoso.Podemos citar o presidente de La Liga, Javier Tebas Medrano, que respondendo a um tweet de Vinicius Junior, afirmou que o jogador estaria sendo injusto ao dizer em suas redes sociais que La Liga é racista e não adota providências contra o racismo e os racistas.Javier Tebas Medrano, presidente de La Liga espanhola é apoiador do partido de direita e extrema-direita Vox, que, entre outras coisas, defende o não ingresso de imigrantes no país (Espanha) sobretudo muçulmanos. Portanto, não nos causa espanto, mas, sim, repulsa, que tal sujeito queira ensinar, como homem branco que é, de que maneira um jovem preto, estrela do futebol mundial, deve reagir a um ato de racismo.O fato ocorrido com Vinicius Junior nos deixa claro, ou ao menos deveria, que o racismo, para além de conduta discriminatória aparentemente individualizada, ou seja, que se reproduz aqui e acolá, por determinado sujeito, se trata, em verdade, de um mal estrutural, e que não possui fronteiras, porquanto presente em boa parte do planeta, notadamente no seio social e em suas múltiplas relações, inclusive de poder.Nesse sentido, o professor, advogado e atualmente Ministro do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, Silvio de Almeida, em sua obra Racismo Estrutural, afirma que "O racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo "normal" com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas, familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural. Comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção. O racismo é parte de um processo social que ocorre "pelas costas dos indivíduos e lhes parece legado pela tradição".Faz-se imperioso que dialoguemos sobre o racismo. Que a sociedade adote postura e medidas antirracistas diante de todo e qualquer ato de discriminação e violência contra a população negra, e não apenas providências paliativas.Que a legislação seja rigorosa, à exemplo do que ocorreu recentemente, no Brasil, com a sanção da Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023, que equiparou injúria ao crime de racismo, majorando a pena para 2 a 5 anos de reclusão.Que tenhamos cada vez mais políticas de inclusão e valorização do negro. É preciso que a sociedade compreenda que não existe mais espaço para racistas entre nós. Que a violência sofrida por Vinicius Júnior ocorre diariamente com diversos outros meninos, meninas, mulheres e homens negros, mundo afora, os quais não possuem fama, dinheiro e nem notoriedade para expor sua angústia e denunciar esse crime, e que, não raras vezes, são silenciados ou têm a vida ceifada pela violência resultante da discriminação, que criminaliza e violenta corpos negros.Não morreremos mais nas mãos de nossos algozes. Não serviremos mais de piada para alegrar a branquitude. Não seremos mais subalternos à casa grande. Não deixaremos que eles escrevam e contem suas versões sobre a nossa própria história, deixando no esquecimento nossos ancestrais e heróis. Não aceitaremos migalhas. Não seremos pacíficos diante de qualquer violência sofrida. Não esqueceremos dos que se foram e sangraram por nós, para que, hoje, tivéssemos voz, e, portanto, saibam que NÃO NOS ACOVARDAREMOS E NEM NOS CALAREMOS!Fonte: SLPG Advogados e Advogadas