Ele foi morto entre 1613 e 1614, diz o antropólogo Luiz Mott

 

Por Luiz Claudio Ferreira, Agência Brasil

ouvir:

[audio mp3="http://www.sintrafesc.org.br/wp-content/uploads/2023/05/203835.mp3"][/audio] 
Uma pessoa amarrada à boca de um canhão como pena de morte por ser homossexual. A execução dividiu o corpo em duas partes. Essa história de terror, invisibilizada ao longo dos séculos, ocorreu no Maranhão, em 1613 ou 1614, nesse que pode ser o primeiro caso de assassinato por causa da homofobia no país. Segundo o antropólogo Luiz Mott, recuperar os detalhes do que ocorreu e garantir divulgação ao caso é importante não apenas para reconhecer o esquecimento do passado, mas também para se indignar com a atualidade.“Vivemos numa época ainda de intolerância, de machismo, de feminicídio. A homofobia é fruto da mesma mentalidade autoritária, patriarcal que queremos modificar por meio da educação sexual e de legislação, que garanta a cidadania plena dos homossexuais iguais, nem menos nem mais”, disse o professor e fundador do Grupo Gay da Bahia, em entrevista à Agência Brasil.O assassinato, ocorrido no século 17, é um caso, portanto, que estaria próximo de completar 410 anos. A vítima foi um indígena Tibira (termo genérico tupinambá alusivo à homossexualidade). Ele foi acusado de “sodomia”, um pecado aos olhos do fundamentalismo e da intolerância homofóbica por parte dos missionários franceses no Maranhão.O crime foi registrado no livro História das coisas mais memoráveis acontecidas no Maranhão nos anos de 1613-1614. Segundo Mott, o capuchinho Frei Yves D’Évreux (1577-1632) , superior dos missionários, teve a responsabilidade dessa execução, assim como a descrição minuciosa desse martírio. “Embora o livro tenha sido traduzido no século 19 e reimpresso no Brasil pela biblioteca do Senado, de fato é uma história pouco conhecida em estudos e livros sobre diversos aspectos da presença dos capuchinhos e dos franceses.

Homofobia institucionalizada

Mott explica que a data exata da execução do índio Tibira do Maranhão ainda não é possível definir (1613 ou 1614). Os portugueses e brasileiros conseguiram expulsar os franceses do Maranhão em 1615. No entanto, o pesquisador analisa que a homofobia no Brasil foi oficialmente institucionalizada em 1534, com a criação das primeiras capitanias hereditárias.“O rei, no decreto de entrega das capitanias aos donatários, estabeleceu, entre outros poderes, o de condenar, sem ter que consultar o rei, à pena de morte os sodomitas, os que falsificavam moedas e os que se uniam aos invasores”.No entanto, o pesquisador aponta que não há registro de que houve alguma execução. Mott alerta que, desde o primeiro Código Penal Brasileiro, de 1830, assinado por Dom Pedro I, o crime de sodomia deixou de ser mencionado. “Mas o que não implicou a erradicação que já estava enraizado na mentalidade das pessoas”.O pesquisador lamenta que a Igreja Católica do Brasil ou do Vaticano nunca se manifestou a respeito da possibilidade de pedir desculpas pela perseguição aos homossexuais.“Mas nós vamos continuar pedindo à CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] e à comissão de canonização do Vaticano”. Mott considera que é muito importante a divulgação oficial do assassinato. Ele cita outro caso, também no século 17, em que teria havido a execução de um escravo jovem em Sergipe, em que o senhor de engenho mandou açoitar até a morte porque o escravo teria mantido relações com um homem branco.“É importante divulgar para mostrar a crueldade do preconceito e da homofobia. Há documentos inquestionáveis de que a pena de morte foi praticada pelos ocupantes franceses, que seguiram a mesma legislação da França que condenava à morte os sodomitas ou pela execução arbitrária de um proprietário de escravos”.

“É preciso lutar”

Luiz Mott defende que é necessário lutar contra a homofobia e é possível erradicar esse tipo de violência. Para ele, é preciso colocar medidas em prática. A primeira seria a educação sexual obrigatória em todos os níveis escolares, a fim de ensinar orientação sexual e identidade de gênero para que respeitem os LGBTQI+.Outra medida seria tirar do papel a legislação que já foi aprovada, como a equiparação da homofobia ao racismo, com previsão de prisão inafiançável, incluindo injúria. “Devem ser garantidas políticas públicas que garantam a cidadania das pessoas LGBT”.

Assassinatos em série

Mais de quatro séculos e uma década depois, um dossiê divulgado neste mês de maio, no site do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTQI+ no Brasil, pelo menos 273 dessas pessoas morreram de forma violenta no país em 2022, em função de homofobia. Os números revelam que houve uma morte a cada 32 horas. Os dados foram divulgados na véspera do 17 de maio, Dia Internacional da Luta contra LGBTFobia.O mesmo relatório mostrou que, nos primeiros quatro meses deste ano, foram assassinadas 80 pessoas LGBTQI+. A população de travestis e mulheres trans representa 62,50% do total de mortes.
  • Capa: Rio de Janeiro (RJ) – LGBTfobia que chegou nas caravelas se enraizou com colonização. – Desenho do missionário capuchinho francês Claude Abbeville, que participou da invasão à colônia portuguesa que executou Tibira do Maranão. Crédito: Gravura de livro de Claude Abbeville/Biblioteca Nacional
  • Edição: Graça Adjuto
Fonte: Agência Brasil/Desacato