Documentos de 2018 a 2022 revelam que a invasão garimpeira foi seguidamente alertada, mas não enfrentada

 

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a situação de desnutrição dos yanomami.

Parlamentares enviaram cartas a Torres, que foram direcionadas para a Funai

Reagindo à reportagem do Fantástico, em novembro de 2021 o senador e ex-ministro da Saúde Humberto Costa (PT-PE) enviou uma carta ao então ministro Anderson Torres para saber o que ele estava fazendo no sentido de “instauração de procedimentos para apuração dos fatos e proteção das terras e dos povos Yanomami”. A carta do senador foi direcionada novamente ao setor da Funai que cuida de indígenas isolados e de recente contato. Os servidores se limitaram a dizer que “a Funai atua na Terra Indígena Yanomami através da Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami Ye’kuana (FPEYY), que vem prestando os apoios logísticos, operacionais e técnicos às forças de segurança que agem para evitar conflitos entre invasores e grupos indígenas”. “Cumpre observar que a competência de planejar, coordenar, controlar, avaliar e executar, no âmbito de sua circunscrição, as atividades de investigação criminal e as operações policiais no interior das terras indígenas é da Polícia Federal, cabendo à Funai fornecer os subsídios solicitados e acompanhar as conclusões das investigações dos casos.”Em setembro de 2022, a deputada federal Sâmia Bomfim, líder do PSOL na Câmara, enviou a Anderson Torres uma série de perguntas sobre a situação na terra Yanomami, mencionando violência, desmatamento, garimpo ilegal, pistas de pouso clandestinas e contaminação por mercúrio. A resposta veio em novembro de 2022, quando Lula (PT-SP) já havia sido eleito para a Presidência da República.A Funai repetiu argumentos anteriores e novamente atribuiu ao Ministério da Justiça, em especial à Seopi, um papel fundamental. “A Secretaria de Operações Integradas–SEOPI do MJSP tem coordenado ampla articulação interinstitucional com vistas à implementação do Plano Operacional de Atuação Integrada, que prevê o monitoramento territorial da TI Yanomami, combate a ilícitos ambientais e extrusão de infratores ambientais (mormente garimpeiros), no atual contexto da pandemia de Covid-19. Tal Plano cumpriu três ciclos de operações durante o exercício de 2021 e dois no corrente [ano] de 2022, apresentando resultados contabilizados em certo número de apreensões, destruição de maquinário e desmantelamento de garimpos ilegais na TIY, além do indiciamento de infratores. Está previsto ainda um último ciclo de operações de fiscalização e repressão na TIY este ano, no âmbito do citado Plano Operacional, para os meses de novembro e dezembro. Relatórios e maiores informações podem ser solicitados junto ao setor competente do MJSP.”Na resposta, a Funai reiterou que “por não possuir poder de polícia regulamentado”, o órgão “atua nas ações de fiscalização e repressão a ilícitos na TIY basicamente através de apoio logístico e interlocução com as comunidades indígenas a instituições como o Ibama, Polícia Federal, Força Nacional de Segurança Pública, Exército e Polícia Militar Ambiental”.[caption id="" align="aligncenter" width="800"]Anderson Torres, Jair Bolsonaro e Marcelo Xavier em conversa com indígenas alinhados ao governo Anderson Torres, então Ministro da Justiça, foi questionado sobre a situação yanomami, mas não agiu / Foto: Clauber Cleber Caetano, PR[/caption]

Conselho Indígena de Roraima pediu socorro aéreo urgente

O governo alegava que promovia ações de repressão aos garimpeiros, mas a invasão no território prosseguiu implacável, espalhando doenças e morte. Em 12 de dezembro de 2022, o CIR (Conselho Indígena de Roraima), uma das principais organizações indígenas do Estado, enviou uma carta dramática e urgente de novo ao então ministro Anderson Torres. O CIR citou a circulação de novas imagens “de crianças em situação de desnutrição e a tragédia humanitária em curso na terra indígena Yanomami, causada pelo garimpo ilegal”.“É uma situação dramática que o povo Yanomami está vivendo e precisa de atenção urgente deste Ministério”, implorou o CIR. A entidade solicitou “em caráter de urgência do MJSP [Ministério da Justiça] a disponibilidade de aeronaves, helicópteros e recursos humanos para apoiar esta organização e lideranças Yanomami, principalmente para garantir a segurança das pessoas e colaboradores que estarão na área”.Um dia depois, a coordenadora-geral do gabinete do ministro Torres encaminhou o ofício do CIR à chefia de gabinete do presidente da Funai, Marcelo Xavier, que por sua vez remeteu-o ao setor de indígenas isolados da Funai, novamente encarregado da resposta. O gabinete do ministro pediu que a resposta fosse enviada “diretamente ao interessado”, o CIR. Ou seja, nem ficou curioso sobre o que a Funai poderia responder. O setor do órgão indigenista então listou “relatório do acompanhamento das entregas das cestas básicas” e a necessidade de “incluir no planejamento anual de 2023, ações estruturantes de forma intersetoriais e agencias interinstitucionais de apoio à segurança alimentar, visando a melhoria da qualidade de vida do povo Yanomami e sua independência alimentar”.No mês seguinte, após a posse de Lula na Presidência da República, o novo governo descortinou o tamanho do genocídio Yanomami, com 570 crianças tendo morrido de causas evitáveis, como desnutrição e diarreia, durante os quatro anos do governo de Bolsonaro. O número não abrange adultos e pode ser muito maior, pois houve também um descontrole no sistema de notificação de saúde, de acordo com o Ministério da Saúde.
  • Capa: Isac Nóbrega, PR