Dirigente do MST lamenta o resulta da comissão. “Esperava que debatessem os problemas agrários de nosso país”

 Na próxima terça-feira (15), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) receberá João Pedro Stedile, fundador e dirigente nacional do Movimento, que prestará depoimento, na condição de convocado, aos deputados federais que integram o colegiado.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Stedile afirmou que vai à CPI “sem nenhuma preocupação”. “Falarei apenas o que sei, estou tranquilo e sereno para defender os interesses da reforma agrária e do povo brasileiro.”
O depoimento de Stédile deve ser o ápice da comissão, que teve sua primeira sessão em 23 de maio deste ano. Três meses depois, a CPI, formada majoritariamente por parlamentares de extrema-direita, tenta chamar a atenção da opinião pública, concentrada na agenda do governo federal, em outra CPI, a que investiga os atos golpistas de 8 de janeiro deste ano e as nas investigações dos casos de corrupção de pessoas ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

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Na última terça-feira (8), a base governista negociou trocas de integrantes da CPI do MST com partidos do Centrão. Desde então, o governo pode ter conseguido formar maioria na comissão, o que prejudicará a estratégia do presidente e o relator da comissão, os deputados federais Zucco (Republicanos-RS) e Ricardo Salles (PL-SP), respectivamente, fieis opositores do MST.As trocas envolvem os partidos União Brasil, MDB, PP e Republicanos. Os dois últimos podem compor o primeiro escalão do governo, ganhando ministérios, em uma eventual minirreforma ministerial, que pode ocorrer até o começo de setembro.Stedile afirma que ficou decepcionado com os trabalhos da comissão. “Eu esperava que a CPI fosse um fórum de debate sobre os problemas agrários de nosso país. Mesmo que na composição da comissão houvesse, como é natural, uma bancada de extrema-direita, que obviamente tem um olhar diferente da esquerda para sobre a questão agrária brasileira, esperávamos que houvesse honestidade dos deputados, que eles sinalizassem quais problemas que a sociedade brasileira tem no meio rural.”

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Confira a entrevista na íntegra:O que você espera do depoimento na CPI?Estou indo sem nenhuma preocupação, falarei apenas o que sei, estou tranquilo e sereno para defender os interesses da reforma agrária e do povo brasileiro. Eu tenho muito orgulho disso, defendemos o interesse do povo há quarenta anos. Nós não temos nada a perder.O MST é um movimento legítimo, que sempre atuou nas regras da constituição e, mais do que legítimo, é um movimento popular necessário, porque na história da humanidade nunca houve reforma agrária sem pressão social dos sem-terra organizados, isso aconteceu em todo o planeta e é papel do MST organizar os trabalhadores para que lutem pela terra. Como disse nosso querido Dom Pedro Casaldáliga, ‘ainda bem que o MST existe, porque se ele não existisse, teríamos que reinventá-lo’.Em Brasília, há uma aposta de que os parlamentares do bloco de extrema-direita devem investir em um depoimento longo, para cansá-lo, com discurso ofensivo. Está preparado?É importante a sociedade perceber que não é por acaso que nos 40 anos de nossa existência, enfrentamos três CPIs contra o MST justamente nos governos Lula. Por quê não fizeram isso nos governos do FHC ou mesmo Bolsonaro? Porque eles usam esses instrumentos parlamentares para tentar impedir que em governos progressistas a reforma agrária adquira a importância que tem.Nós estamos tranquilos, porque eles seguem investigando e não conseguem encontrar nada. Essa CPI existe para amedrontar os agentes públicos, que se assustam com a existência da CPI, com a possibilidade de serem investigados, porque no simples fato de ser convocado, já ficam em pânico. As pessoas têm suas trajetórias e, não necessariamente, estão preparadas para essa execução pública quando vão lá.Essas pessoas são submetidas a todo tipo de humilhação, porque o deputado se transforma em um inquisidor e pode usar todas as prerrogativas para intimidar, ameaçar e ofender, como temos assistido nesses três meses. As pessoas que vão lá tem que ter muito sangue frio, porque alguns deputados da extrema direita abusam, deixam de ter posturas civilizatórias e ofendem, para ver se as pessoas reagem de forma intempestiva e, com isso, eles possam tomar alguma outra medida que prejudique ainda mais o depoente. Eu estou preparado, cinco ou sete horas são normais para nós, nossos cursos de formação duram dias, alguns duram semanas, tem curso que dura um mês. Não será um problema.Qual análise você faz da CPI até aqui?Eu esperava que a CPI fosse um fórum de debate sobre os problemas agrários de nosso país. Mesmo que na composição da comissão houvesse, como é natural, uma bancada de extrema-direita, que obviamente tem um olhar diferente da esquerda para sobre a questão agrária brasileira, esperávamos que houvesse honestidade dos deputados, que eles sinalizassem quais problemas que a sociedade brasileira tem no meio rural. Quem são os responsáveis por esses problemas? Quais são as soluções?O MST é parte da realidade agrária, podemos criticá-lo ou apoiá-lo, mas ele existe, faz parte dessa realidade agrária e se propõe a enfrentar problemas no campo e apresentamos soluções, como a proposta de reforma agrária popular, em que o sem-terra tem acesso à terra, dando para ela uma nova função social, em que os trabalhadores possam produzir alimentos para o povo, por isso uma reforma agrária popular e não mais camponesa, que atende apenas quem trabalha na terra.Nesses três meses, não ouvimos nada disso, porque a bancada de extrema-direita, que não representa sequer os interesses da bancada ruralista, transformou a CPI num circo, com todo tipo de estripulias, para colocar agressões em suas redes sociais, que não furaram nem mesmo a bolha da extrema-direita. Nos surpreendeu positivamente que a imprensa burguesa, ou imprensa corporativa, se comportou com honestidade e denunciou esse maniqueísmo e manipulação que os deputados de direita fizeram.

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 Fonte: Igor Carvalho, Brasil de Fato
  • Edição: Monyse Ravena
  • Capa: João Pedro Stédile, dirigente nacional da via campesina e do MST, Rafael Stedile