Do Integralismo e da “Defesa da Tradição”, nos anos 30 e 60, país chegou ao bolsonarismo – em asfixia, mas com inegável força. Governo Lula pode ser crucial para superá-lo de vez. Mas precisará evitar os erros que alimentam o extremismo
Por Marcio Pochmann*, Outras Palavras
Na esfera da disputa de poder em torno de interesses e necessidades de classes e frações de classes sociais, a política resulta de uma totalidade social complexa, cuja separação ideológica entre esquerda e direita tem origem na Revolução Francesa que em 1789 marcou a formação do Ocidente Moderno. Originariamente, os delegados defensores das mudanças sociais no velho agrarismo em torno da igualdade na França durante o último quarto do século 18 se posicionaram à esquerda do rei, enquanto os representantes dos interesses de aristocratas e conservadores da época se localizaram à direita.Assim, em geral, o espectro ideológico de direita se afirmou como reação às mudanças que possam alterar o status quo de segmentos ricos, poderosos e privilegiados no interior de cada sociedade. No Brasil, a direita extremada se constituiu mais e melhor organizada em três diferentes momentos de inflexão da história republicana nacional.O primeiro momento se estabeleceu na crise do liberalismo que a partir dos anos de 1920 terminou por colapsar o longevo projeto agrarista, produzindo, em consequência, distintas mobilizações em torno de novos rumos possíveis para o Brasil. Com Plínio Salgado à frente da Ação Integralista Brasileira (AIB) criada em 1932, o ideário fascista de base italiana ganhou expressão nacional e encadeou o movimento cívico cultural nos meios políticos e intelectuais em resposta aos efeitos internos da Grande Depressão capitalista de 1929.Entre 1935 e 1937, por exemplo, o Partido Ação Integralista em inédito ritmo de expansão foi considerado a maior organização fascista em operação fora da Europa. Assim como o integralismo se alastrou na década de 1930, o Partido Nazista no Brasil também ganhou dimensão expressiva, assumindo a posição de maior seção do nazismo fora da Alemanha. Ambos movimentos populares de extrema direita buscavam chegar ao poder pela via democrática, somente interrompida pela instalação do Estado Novo (1937-1945).O segundo momento de inflexão histórica republicana pela extrema direita no Brasil transcorreu durante a consolidação da sociedade urbana e industrial no final dos anos de 1950. Em pleno auge das tensões em torno da Guerra Fria (1947-1991) na América Latina surgiu, em 1960, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP) liderada por Plínio Correa de Oliveira no combate ideológico do comunismo identificado no movimento em defesa da Reformas de Base impulsionada pelo governo João Goulart entre 1961 e 1964.Ao mobilizar valores morais do passado agrarista tradicional, assumiu o radicalismo conservador e antimodernista na época. Com apoio político e base social organizada, a extrema direita, patrocinou e justificou, compartilhada com interesses externos, o golpe de Estado em 1964. Por 21 anos o Brasil esteve submisso ao regime do autoritarismo, somente absolvido pelo movimento de redemocratização nacional na primeira metade da década de 1980.O terceiro momento de inflexão histórica republicana se encontra em curso assentada na ruína da sociedade industrial e mediada pela crise do neoliberalismo que passou a ameaçar também os interesses do “andar de cima” da sociedade. Nesta perspectiva, consideram-se as jornadas de mobilizações nacionais do ano de 2013 como a marca do reaparecimento público de agrupamentos de extrema direita portadores de valores morais conservadores catapultados pelas inovações comunicações e organizativas trazidas pela transição para a Era Digital.Por seu enraizamento no interior do poder Judiciário, embalado pela força tarefa denominada por Operação Lava Jato, a extrema direita ganhou e contaminou os meios de comunicação com a pauta anticorrupção. Na mesma toada, a sua expressão nacional se materializou na alçada partidária, contaminando os poderes legislativo e executivo.O golpe parlamentar em 2016 que inviabilizou o mandato da presidente Dilma Rousseff, aprisionou o ex-presidente Lula e asfixiou as bandeiras de luta da esquerda asfaltou a via da extrema direita que pelo voto bolsonarista nas eleições de 2018 passou a dominar tanto a presidência da República como a maioria do parlamento. Em contraponto, o movimento popular na defesa de Lula Livre foi encontrando respaldo na cúpula do poder Judiciário até assumir a reversão da extrema direita incrustada na Operação Lava Jato.A partir daí, o pêndulo da extrema direita chegou ao seu limite, iniciando a gradual asfixia. A vitória eleitoral presidencial em 2022 permitiu a montagem do governo Lula que apequenou, sem plenamente superar, a força da direita extremada que segue ainda com inegável força no parlamento, meios de comunicação e em segmentos específicos da sociedade brasileira.O sucesso do governo do presidente Lula constitui a essência pela qual o país poderá – de fato – se livrar do terceiro momento de inflexão histórica republicano ocupado pela extrema direita. Mas isso dificilmente significará o fim dos representantes e das organizações em defesa dos interesses de poderosos, ricos e privilegiados no Brasil.