Ele alerta que PL aprovado na Câmara também abre brecha para mineração em terras indígenas
Organizações indígenas se reuniram com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) na última semana, para entender como se dará a tramitação do PL 490 (no senado, PL 2903), no Congresso. O projeto, conhecido como Marco Temporal, por mudar a forma como são reconhecidas as demarcações de terras indígenas, recebeu tratamento de urgência pela Câmara dos Deputados, atropelando ritos da casa e até mesmo o STF (Supremo Tribunal Federal), que deverá tratar de matéria similar nesta semana.Um dos presentes à reunião, o coordenador executivo da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Kleber Karipuna, afirma ter ouvido de Pacheco o compromisso de que haverá tempo suficiente para o debate no Congresso e que todos os envolvidos no processo serão escutados durante a tramitação do PL. “Nessa reunião nós colocamos todos os riscos, todas as inconstitucionalidades que contém no bojo do PL, e ele colocou para a gente o seu compromisso em tramitar de uma maneira mais cautelosa, porque ele entende que é uma pauta delicada, assim como outras pautas”, explica Karipuna.O coordenador da APIB é o convidado desta semana no BDF Entrevista. Karipuna explica que, apesar da pressa na aprovação do PL pelos deputados, foi graças à articulação das organizações indígenas que atuam em Brasília que o projeto dormiu durante mais de 10 anos nas gavetas da Câmara Federal. “A gente já estava se movimentando há algum tempo atrás, tentando [impedir esse avanço]. É importante salientar que o PL é de 2007, ele está há mais de 10 anos tramitando e muito desse tempo de tramitação tem a ver com as várias estratégias nossas, de incidência, de articulação, para tentar extinguir de vez esse PL”, comenta. Outras estratégias poderão ser colocadas em jogo caso o projeto avance no Senado. Segundo Karipuna, a judicialização e um possível veto presidencial são possibilidades avaliadas pelas organizações indígenas. O STF, inclusive, colocou na pauta desta quarta-feira (7), o prosseguimento da análise da tese do Marco Temporal.O caso em análise na Suprema Corte trata apenas sobre a demarcação de terra do povo Xokleng, que foi contestada pelo governo de Santa Catarina no Supremo. O argumento do executivo catarinense é que a área não estava ocupada em 5 de outubro de 1988, como determina o Marco Temporal. Já os indígenas Xokleng explicam que haviam sido expulsos de sua terra de origem e só por isso não ocupavam a área na promulgação da Constituição Federal. “Claro que o julgamento do Marco Temporal já nos ajudaria significativamente para derrubar essa questão. A gente considera que ele perde força, que ele enfraquece bastante, essa que é uma das principais cobiças da bancada ruralista, dos nossos inimigos. Inclusive, estamos chamando um acampamento contra o Marco Temporal para essa semana, de 5 a 8 de junho, para acompanhar a retomada do julgamento”, completa o coordenador da APIB.Na conversa, Karipuna também comenta sobre o projeto de exploração de petróleo na Foz do Amazonas. A iniciativa da Petrobras, defendida por diversos setores do governo federal, foi vetada pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), mas a pasta segue sob pressão.Segundo Karipuna, povos indígenas da região já estão sendo afetados pelo projeto, ainda que a prospecção do petróleo esteja paralisada no momento.“É um projeto que, inclusive, é ali na minha região, próximo ao município de Oiapoque, no Amapá. É onde estão os povos indígenas Karipuna, Galibi Marworno, Kali’na e Palikur, que reivindicam, na verdade, um melhor estudo, uma melhor avaliação. [Os indígenas da região] já estão sentindo na pele agora, ainda na fase de estudo, de prospecção, os impactos. A movimentação que cresceu gigantesca ali na região, o trânsito de aeronaves, helicópteros e aviões passando muito baixo por cima das terras indígenas, o trânsito nos rios que dão acesso também às terras indígenas aumentaram o fluxo”, aponta.“Nós somos contra a forma como está sendo conduzido. Os povos do Oiapoque, inclusive, já manifestaram que não são contra o progresso. Aquelas terras indígenas são impactadas por empreendimentos desde a década de 1970, na abertura da BR-156, passagens de linhas de transmissão, a construção de pequenas centrais hidrelétricas, linhas de fibra ótica, enfim”, completa Karipuna.Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Há uma agenda anti-indígena que tramita hoje no Congresso Nacional. Sobre a aprovação do Marco Temporal na Câmara, essa tese estava paralisada no Supremo Tribunal Federal e ganhou agilidade poucas vezes vista para avançar na Câmara. Qual é o tamanho desse retrocesso? Kleber Karipuna: Bom, infelizmente foi aprovado o PL 490 no plenário da Câmara. É um retrocesso enorme não só para a pauta da demarcação das terras indígenas, mas também para a pauta ambiental, climática, que é uma das principais agendas no mundo todo. E o mundo inteiro está preocupado e trabalhando em ações que visam combater essa catástrofe mundial.A tese do Marco Temporal fixa uma data onde os povos indígenas teriam direito aos seus territórios, que é a data de cinco de outubro de 1988, contradizendo, inclusive, a própria Constituição Federal brasileira, que no seu artigo 231 é muito clara, quando fala do direito dos povos indígenas e o usufruto exclusivo dos seus territórios. [Esse artigo] reconhece sua forma de organização social, seus costumes, as suas tradições, e também fala sobre o direito originário, seu direito de origem. Inclusive, a questão das terras indígenas é uma cláusula pétrea na Constituição. Além disso, o PL aprovado agora traz também no seu bojo várias outras medidas que visam explorar a depredação dos territórios indígenas, a abertura para grandes empreendimentos, a mineração na terra indígena e o contato forçado com povos em isolamento voluntário. O Brasil é o país do mundo que detém a maior população de povos em isolamento em pleno século 21.Esse PL é completamente inconstitucional e, pra gente, não deveria nem estar tramitando. Ele foi aprovado na câmara pelos deputados federais que todos vocês ajudaram a eleger, deputados que são contra os povos indígenas, contra o meio ambiente, contra as mudanças climáticas e contra os direitos humanos. Ele vai agora para o Senado e vamos continuar nossa luta, nossa batalha. Os indígenas se mobilizaram em várias partes do país para tentar barrar o avanço dessa pauta. Qual a expectativa de vocês com essa tramitação no Senado? A ideia é que o projeto seja enterrado por lá? A APIB, inclusive, se reuniu com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. A gente já estava se movimentando há algum tempo atrás, tentando [impedir esse avanço]. É importante salientar que o PL é de 2007, ele está há mais de 10 anos tramitando e muito desse tempo de tramitação tem a ver com as várias estratégias nossas, de incidência, de articulação, para tentar extinguir de vez esse PL. A estratégia, agora, continua. Inclusive, no mesmo dia 30 (data de aprovação do PL 490), fizemos uma reunião com o senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Essa reunião também faz parte da nossa estratégia de diálogo, de articulação, para tentar barrar e eliminar esse PL agora no Senado. Agora ele ganhou um novo número, 2903 e inclusive já está aberto para enquete no Senado, para saber se as pessoas concordam ou não concordam com o PL. Nessa reunião que nós tivemos com o senador Rodrigo Pacheco, nós colocamos todos os riscos, todas as inconstitucionalidades que contém no bojo do PL, e ele colocou para a gente o seu compromisso em tramitar de uma maneira mais cautelosa, porque ele entende que é uma pauta delicada, assim como outras pautas.Outra estratégia possível é o veto presidencial, mesmo sabendo que há também uma correlação de forças hoje no Congresso Nacional que, provavelmente, derrubaria esse veto, não é? Sim, está também nas nossas estratégias essa questão do veto presidencial, assim como várias outras que a gente não está se antecipando, como a questão judicial, para não atropelar o processo de tramitação desse PL. O veto presidencial é uma das questões que a gente está analisando, mas justamente como você falou, há uma correlação de forças hoje - a gente pode ver isso muito claro agora na aprovação da MP 1154, de organização dos ministérios, o quanto foi necessário o próprio presidente Lula agir.
- Capa: Karipuna afirma ter ouvido de Rodrigo Pacheco o compromisso de que PL do marco temporal terá análise cautelosa do Senado. | Foto: Antônio Cruz, Agência Brasil
- Edição: Rodrigo Durão Coelho