Para dirigentes de ONGs da região, maior desafio passa pela recuperação de territórios hoje dominados pelo crime organizado; reaparelhar instituições será vital


 

A revogação da “herança maldita” deixada pelo governo Jair Bolsonaro na política de meio ambiente do país pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, logo em seu primeiro dia de retorno ao Palácio do Planalto, é necessária, todavia não o suficiente nem a única para o Estado recuperar territórios na Amazônia, hoje dominados pelo crime organizado. Essa é a avaliação feita por dirigentes de ONGs já com algumas décadas de atuação na região, e que presenciaram de perto os efeitos devastadores da gestão passada para a preservação do bioma.

Entre as medidas adotadas pelo novo governo está a que acaba com os chamados “Núcleos de Conciliação Ambiental”, visto como um instrumento para beneficiar os infratores ambientais autuados por Ibama e ICMBio. Na prática, as ações destes núcleos serviam como uma forma de garantir a impunidade de quem fosse flagrado na prática de crimes ambientais.

O governo Lula também revogou a antiga composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que voltará a ter assentos para a sociedade civil, além de dar nova vida ao Fundo Amazônia.


Para Marquinho Mota, coordenador de projetos do Fórum da Amazônia Oriental (Faor), sediado no Pará, o revogaço feito por Lula aconteceu no exato momento em que precisava ocorrer. “Não tinha que dar tempo, não tinha que esperar nada. Era entrar e meter a caneta mesmo”, diz ele.

Todavia, avalia Mota, muito mais do que medidas administrativas homologadas a partir dos gabinetes de Brasília, o grande desafio do novo governo são os riscos de confrontos armados nos processos de retomada de território.

“Nos quatro anos de Bolsonaro esses criminosos que estão nos garimpos dentro das terras indígenas, que estão derrubando madeira, estão grilando terra pública, eles se fortaleceram muito, tanto do ponto de vista econômico, quanto do ponto de vista armamentista. Esses caras estão super armados, e eu não sei até que ponto essa reação vai ser rápida. Essa reação eu falo por parte do governo, por exemplo, de cumprir a promessa de retirar os garimpeiros de dentro da terra indígena”, comenta ele.

Outra preocupação apontada por ele foi o aparelhamento ideológico das forças de segurança feitas pelo bolsonarismo nos últimos quatro anos. Essa “bolsonarização” das forças policiais ficou evidente durante os ataques terroristas de 8 de janeiro, quando a Polícia Militar do DF praticamente abriu alas para criminosos destruírem os prédios dos três poderes em Brasília.

Com a forte influência de Bolsonaro nos interiores da Amazônia, as chances de omissão ou mesmo desobediência de agentes para cumprir ações para expulsar garimpeiros, madeireiros e grileiros, pode vir a acontecer. “Eu acredito que boa parte do equipamento repressivo e policial do estado, do governo federal, está aparelhado pelo bolsonarismo”.

Outro ponto destacado é a importância da mobilização social para pressionar o governo para de fato executar sua promessa de reconstrução da política ambiental do país. “Eu acredito que vai ser muito importante agora a pressão da sociedade civil para garantir que essas medidas sejam efetivadas, porque se não tiver pressão, vai ser coisa de papel”.

Na análise de Paulo Bonavigo, presidente da Ação Ecológica do Guaporé (Ecoporé), de Rondônia, todas as medidas adotadas pelo governo Lula e pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, são necessárias para conter o processo de devastação que a Amazônia passa. Rondônia, a propósito, está entre os estados mais impactados pelo desmonte da agenda ambiental realizada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro; é no estado onde o bolsonarismo detém bastante força e prestígio entre o eleitorado.

Dessa forma, destaca Bonavigo, é preciso também observar como os governos estaduais da Amazônia Legal, em especial os mais alinhados ao bolsonarismo, vão se adaptar ou incorporar a esse processo do governo federal de voltar às ações de combate aos crimes contra a floresta e suas populações tradicionais. Além dos governos, as Assembleias Legislativas estão dominadas por parlamentares bolsonaristas, cujas pautas estão voltadas para o enfraquecimento da legislação ambiental.

“A gente tem governos estaduais que sinalizam o contrário [do defendido por Brasília]. Isso estou falando dos governos. O Poder Legislativo, às vezes, é até pior. A gente tem bancadas de deputados em estados da Amazônia que são 100% de divergência com a questão ambiental, são contrários à questão ambiental”, pondera o presidente da Ecoporé.

O desafio nos territórios





[caption id="attachment_128583" align="alignright" width="520"] Operação Submerso, da Polícia Federal, destruiu 12 dragas de garimpo ilegal em Rondônia. Fevereiro de 2022. Foto: Polícia Federal[/caption]



Como exemplo dessa atuação antipreservacionista da política amazônica está Rondônia, nos últimos quatro anos uma série de medidas foram apresentadas e votadas pela Assembleia Legislativa para enfraquecer as regras ambientais, sobretudo projetos de lei para extinguir unidades de conservação estaduais.

Alvo da indústria da grilagem de terras públicas, as áreas protegidas são as mais visadas pela classe política rondoniense. Com a reeleição do governador bolsonarista Marcos Rocha e da maioria dos atuais deputados, a tendência é de que a agenda ambiental de Rondônia permaneça desmontada.

“Vamos ver como o Ministério do Meio Ambiente, como a ministra Marina Silva, vai trabalhar com esses governos, com essas secretarias de meio ambiente”, comenta Bonavigo. Para ele, apenas as pressões feitas pelo governo federal e o atual momento político nacional e internacional pela preservação da Floresta Amazônica podem fazer as lideranças locais se adaptarem.

Miguel Scarcello, diretor-executivo da SOS Amazônia, do Acre, também comemora o revogaço de Lula como os primeiros passos para o Brasil reconstruir sua política ambiental, sobretudo a de proteção do bioma. Na opinião dele, é de se esperar para saber se de fato a Floresta Amazônica estará como prioridade do novo governo. Assim como Marquinho Mota, da Faor, Scarcello aponta para o desafio de enfrentar o crime organizado.

“Estou torcendo para que eles levem em consideração a região amazônica de maneira prioritária para suspender ou paralisar todas as ameaças, ou ao menos minimizar muito do que está acontecendo. É preciso controlar esses grupos criminosos que atuam na região”, afirma ele.

Miguel Scarcello também elogia a proposta de transversalidade da política ambiental do governo Lula proposta por Marina Silva. Para ele, essa integração entre os ministérios é importante para se ter não apenas ações de comando e controle, como também de políticas públicas para as populações amazônidas.

O diretor da SOS Amazônia ainda destaca como essencial o retorno da sociedade civil, incluindo as organizações não-governamentais, no debate sobre a política ambiental. Durante o mandato de Bolsonaro, as ONGs ambientalistas foram tratadas como inimigas.

“Eu acredito que nós vamos ter o retorno do diálogo. Isso era algo que não havia. Creio que a gente vai poder ter mais diálogo, mais consultas aos atores que vão fazer a gestão nos órgãos públicos”, diz Scarcello ao analisar a “recriação” do Conama.

Como lembram os dirigentes das ONGs, só será possível de fato medir os efeitos do revogaço de Lula e sua política ambiental na Amazônia a partir do segundo semestre do ano, quando há maior intensificação na prática de crimes como o avanço do desmatamento e das queimadas, durante os meses de estiagem, o “verão amazônico”.

Até lá, destacam eles, será necessário reaparelhar os órgãos ambientais, realizar a “desbolsonarização” das forças policiais, fortalecer o diálogo com os governos regionais, para o país de fato ter condições de combater o crime organizado fortalecido pelo governo Bolsonaro dentro da mais importante floresta tropical do mundo.





  • Capa: Fiscalização de crimes na Amazônia / Foto: Ibama, Flickr.


Fonte: Fábio Pontes, O Eco



Fabio Pontes


Fabio Pontes é jornalista com atuação na Amazônia, especializado nas coberturas das questões que envolvem o bioma desde 2010.